domingo, 28 de agosto de 2011

DOUTORADO-TEXTO ELABORADO PARA O CURSO


Construção do conhecimento:
UM ESTUDO DISCURSIVO SOBRE GÊNERO, MULHER E CINEMA
Lúcia Leiro
UNEB

            A ideia de construção está relacionada à de formação, de artificialidade, de engenhosidade, mas, também, à de processo, e quando nos referimos ao conhecimento, se estiver ancorado do discurso da ciência, a sua construção é resultado das ações e escolhas feitas por um sujeito histórico, de um lugar discursivo, cujo olhar recorta o objeto de estudo que, com base em um arcabouço teórico-metodológico, interpretará por meio da linguagem as suas conclusões divulgadas para os seus pares. Estes, por sua vez, produzirão sentidos com base na articulação entre o que está sendo dito ou lido e no que a sua memória acionar no momento da leitura.  Deste modo, construir conhecimentos reflete dialeticamente subjetividades no processo de significação, daí esses lugares estarem em constantes disputas ideológicas. 
            Ao se falar em construção do conhecimento científico, torna-se inevitável pensar no lugar da formação discursiva acadêmica que reveste de autoridade o sujeito que enuncia e combina sentidos, alicerçados por um dispositivo teórico que engendra um discurso legítimo (ou legitimado) a ser chamado de conhecimento, recoberto ainda de um verniz de “verdade”.  Esta verdade seria irrefutável, até que outra a desafiasse, mas dentro dos mesmos referenciais aceitos pelos membros de um domínio discursivo. Um mito não gozaria do mesmo status e, por isso, não poderia servir de explicação da realidade, dir-nos-ia a ciência, por mais imaginativo que fosse o discurso científico, e por mais coerente que fosse o discurso mítico.
            Porém, o conhecimento, longe de ser o resultado de uma formulação de verdades absolutas, como a modernidade sustentava, ele se constitui como corpo discursivo cujo propósito consiste em questionar, mostrar, explicar e compartilhar respostas a um problema inicialmente proposto, sendo que este problema parte da delimitação de um objeto já ideologicamente instituído como texto significado (ou a ser significado) nas práticas sociais e discursivas. O conhecimento é assim gerado para sujeitos e nos sujeitos, na medida em que é no processo de leitura que significação é processada, que o conhecimento se forma, mas sem perder de vista que este “objeto” já está revestido de subjetividade, de valores, de ideias. O conhecimento é, por assim dizer, um constructo, uma invenção, que sustenta interesses, apontando para outro aspecto da construção do conhecimento: o poder.
            A concepção de uma construção interessada do conhecimento sinaliza para a complexidade dos procedimentos interpretativos do objeto (incluindo a própria ideia de objetificação), fazendo com que os analistas do discurso desloquem o olhar e passem a se interessar não apenas pelas formas de dominação, mas, sobretudo, pelas formas de resistência, de negociação, tendo o discurso como elemento imprescindível no processo de análise, já que constitutivo da interação entre os sujeitos. Em razão das relações de força, os sujeitos estão em constante disputa, o que os leva a manipularem a linguagem, inscrevendo e rasurando no processo de troca, de interação, de interpretação e de negociação, as suas posições. Estas disputas muitas vezes produzem ambiguidades que merecem atenção dos analistas do discurso porque expõem, deixam tocar na superfície a voz do outro.
            A ambiguidade, este espaço incômodo, representa o lugar das tensões ideológicas. Por exemplo, no século XIX a mulher burguesa passa a ter um status social que até então não tinha, só possível diante de uma nova realidade ideologicamente instituída (revolução burguesa) que legitimou os estudos (ciência) a serem desenvolvidos sobre o seu corpo biológico e social (objeto) para que se cumprisse o projeto burguês. No entanto, durante dois séculos as mulheres responderam a esse projeto de diferentes maneiras, mostrando diferentes interesses em jogo, ora ajustando-se (mas não sem tensão) ao sistema ora questionando-o.  
            Um dos elementos fundamentais neste processo de construção de conhecimento é a própria linguagem, enquanto meio pelo qual os sujeitos se expressam, materializam conceitos, impressões, visões de mundo, na busca de explicar, dar sentido, indagar, bem como inventar a realidade. O conhecimento, assim, torna-se uma experiência discursiva no plano conversacional, artístico, científico ou midiático, entre o sujeito e a realidade.
            Uma das formas de construir conhecimentos consiste em analisar os discursos materializados nas práticas sociais, incluindo a prática acadêmica. Interessar-se, assim, não apenas pelos princípios que norteiam a ciência e os procedimentos explicativos e metodológicos sobre um problema, mas também investigar como os problemas são mediados pelos textos que circulam na sociedade, audiovisuais e impressos, que estão em contato direto com os sujeitos (música, filme, programas de televisão, artigos de revista e jornal, sites, blogs). Significa dizer também que existe uma articulação entre o sujeito, o objeto e o tratamento a ser dado ao objeto com o dispositivo teórico-metodológico a ser usado. Em outras palavras: pouco adianta uma visão contestadora, arrojada, pioneira se a explicação for embasada em teorias e métodos inadequados. Sendo assim, interessar-se pela prática acadêmica quer dizer analisar, investigar, examinar minuciosamente as formulações dos problemas, as escolhas teóricas e temáticas, a metodologia de estudos, os pontos de vista, os argumentos, entre outros elementos importantes para se pensar metalinguisticamente a construção do conhecimento. Também inclui rever os discursos da ciência e seus postulados que lastrearam a sua legitimidade no ocidente com base na verdade absoluta, na racionalidade, na universalidade, na neutralidade, no logocentrismo, na disjunção entre sujeito e objeto, que deram base ao pensamento ocidental. Uma das críticas feitas à modernidade consiste em mostrar as limitações deste modelo paradigmático, revelando-o falaciosamente neutro e tendenciosamente androcêntrico, etnocêntrico, heteronormativo, classista, na medida em que, em nome da universalidade e da já referida neutralidade, silenciavam-se outras expressões, outras formas de construir conhecimentos, de explicar as experiências humanas.
            Já em relação às mediações, o interesse desloca-se para a linguagem como objeto no processo da construção do conhecimento. Consiste em apropriar-se da linguagem como meio de significação oral ou escrita, visual, audiovisual ou impressa (processo interpretativo) com as suas formas de dizer (discurso), bem como os lugares de produção desse conhecimento que nem sempre se dá nos espaços formais de aprendizagem, como a escola e a universidade, mas em outros domínios.
            No intuito de articular as ideias aqui explicitadas, é que proponho uma reflexão nesta disciplina sobre:

  • O lugar do sujeito-crítico como espaço político na construção do olhar sobre o conhecimento;
  • O cinema como lugar de discursos;
  • Os sujeitos que produzem os discursos (as mulheres);
  • Os temas e de que forma estão sendo tratados pelas mulheres;

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