quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DOUTORADO - SEQUÊNCIA FÍLMICA

Retomando a discussão da aula de ontem, gostaria de destacar que nas 4 sequências fílmicas o discurso do homem-protetor/mulher-protegida é reforçado não apenas pelos perigos enfrentados por elas, reclamando a presença masculina, mas pelo fato também de não poderem sozinhas se protegerem. Na primeira sequência, do filme O Quarteto Fantástico, a mulher invisível (aliás um aspecto que já nos chama a atenção) não consegue armar o detonador e por esta razão tornou-se vulverável ao perigo (vejam que eles estão em um ambiente natural, verdejante, semelhante a uma floresta, por sinal um lugar-comum nas narrativas ocidentais quando se quer reforçar a relação mulher-perigo). O surfista prateado aparece no momento em que ela tenta se proteger através de um campo de força que não funciona, permitindo que o Outro (representado como homem e agressor) "invada" o seu espaço de proteção. A cena é violenta (causa medo) porque ele se inclina para a frente e em contraplongée (câmera em posição de baixo para cima), como se fosse a visão dela, o rosto dele transpõe a defesa da personagem. Depois de ameaçada, ela tenta sobreviver e estrategicamente se põe a conversar com o agressor que, sensível a sua candura e empatia, resolve defendê-la dos outros homens (cientista/empresário/mutante e militares). A ideia de proteção faz parte das relações de gênero (e de outras relações de poder) porque pauta-se na ideologia de dependência, no caso do filme, das mulheres em relação aos homens. Os papéis sociais são definidos na relação, mas para além da definição apenas dos papéis, é atribuído a um deles poder, aquele que teria força, conhecimento, acesso, ou algum dispositivo sobrenatural (como é o caso) que impedisse o outro de ser agredido, aquele que precisaria constantemente de proteção, neste caso a mulher. Então, podemos ainda inferir que a situação de perigo, de ameaça, de medo, é fundamental para o constructo de gênero, podendo ser representado como base no interesse do discurso hegemônico ou rasurando este discurso, caso a mulher, por exemplo, conseguisse sobreviver sem reivindicar a presença do homem.

Já na sequência 2, A Batalha de Riddick, embora a personagem-mulher inicie uma ação de autodefesa, logo este intuito é malogrado, porque ela não deveria sozinha se defender de 4 homens (coisa que Rambo faria tranquilamente), deixando para o herói, Riddick, a função de salvá-la dos bandidos. Neste caso, a representação do herói como o homem, já coloca a mulher em posição coadjuvante, pois cabe a ele a escolha equivocada (a desmedia), a peripécia (os percalços pela escolha equivocada) e o retorno do equilíbrio, elementos da poética clássica. Assim, a cena não poderia favorecer a autodefesa, o que significaria poder, cabendo ao heroi,  entidade dotada de méritos e qualidades, valores morais, a ação de resgate, reforçando o argumento anterior verificado na sequência 1. Na cena analisada, a personagem-mulher aparece com voz desafiadora, mas é logo neutralizada pelo homem:

"- Morte por caneca. Como eu não pensei nisso antes?"
"- Eu não vim aqui para brincar de quem mata melhor".

No enunciado dele, a neutralização do empoderamento da mulher se dá por meio do discurso da infantilização da mulher através da palavra brincar que é associado a fase infantil e que no contexto é usada de forma desqualificadora, com o propósito de bloquear a resistência dela, já que tenta se igualar a ele ao ironicamente refreir-se à forma dele a "defender". Novamente, o discurso da proteção aparece como forma de constituição dos gêneros, no binômio protetor/protegida, mote do discurso patriarcal. A "proteção" é considerada parte do discurso de regulação do corpo da mulher.

Na sequência 3, X-Men: o confronto final, a personagem-mulher, Fênix/Dra. Jean, representa poder, já que ela é a mutante mais poderosa (nível 5) e, além disso, tem dupla personalidade, o que precisa ser combatido em favor da interpretação estável, previsível e segura (para quem?). Talvez seja, das 3 sequências do filme (X-men 1, X-men 2 e X-Men-3), o que mais exige intervenção dos homens. Neste filme, a mulher não precisa de proteção, já que ela é a mais poderosa mutante, porém, em razão disso, ela precisa ser destruída. O segmento sugere que uma mulher autosuficiente não pode existir, principalmente porque ela representa a combinação do desejo masculino em um só corpo, mostrada ao mesmo tempo como virgem e femme fatale. É justamente o homem que a deseja, Wolverine (Hugh Jackman), que mata porque não consegue dominá-la, isto é, separando-a. Dentro de sua lógica (e do discurso hegemônico), escolhe a destruição altruísta, remotando, através do eixo-memória, a discursos históricos (intertexto/interdiscurso), sobretudo do século XIX, quando a mulher foi separada discursivamente em duas: "divas" e "lucíolas" (referindo-me aos romances de José de Alencar). Um livro muito elucidativo sobre essa representação, é "As mulheres que eles chamam de fatal" , de Mirelle Dottin-Orsini, da editora Rocco. A questão é: por que esta lógica precisa se manter e qualquer outra destruída? A quem interessa esse discurso? Vale destacar que Fênix controla o desejo de Wolverine ao desafiá-lo, ao submetê-lo, daí a preferência "dele" pela Dra. Jean, a quem ele poder controlar.

Na sequência 4, King Kong, o mesmo mote aparece para confirmar que as relações de gênero se estabelecem através do discurso do protetor/protegida, e para este intuito é necessário expor a mulher em situações de alto risco e de medo. A sequência mostrou exageradamente momentos de extremo risco, chegando mesmo a provocar o riso, dada a avalanche de situações encadeadas que colocava a personagem-mulher sob pressão constante, só aliviada quando King Kong aparece para resgatá-la. Do ponto de vista psicológico, é uma estratégia perversa porque condiciona a mulher a um estado permanente de perigo, de medo, de tensão, para em seguida aliviá-la, sendo que esta desopressão aparece em forma de homem, o mesmo que a oprime, a quem ela passa a lhe atribuir relevância e imprescindibilidade a sua existência.  

Quanto ao amor, mencionado na aula, ele é o que impede que a ideologia apareça, funciona como encobrimento, já que por ele justificam-se todas as atrocidades. O discurso amoroso é tão importante nas relações de poder que as narrativas ocidentais não abrem mão dele como forma de realização da mulher, de regulação da mente (Van Dijk).

Ficha técnica dos filmes:


O Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado (Alemanha/EUA)

título original:Fantastic Four: The Rise of the Silver Surfer
gênero:Aventura
duração:1 hr 32 min
ano de lançamento: 2007
estúdio: 20th Century Fox / 1492 Pictures / Dune Entertainment / Marvel Enterprises / Thinkfilm
distribuidora: 20th Century Fox Film Corporation
direção: Tim Story
roteiro: Mark Frost, baseado nos personagens criados por Jack Kirby, Stan Lee e Don Payne
produção: Avi Arad, Bernd Eichinger e Ralph Winter


A Batalha de Riddick (EUA)

título original:The Chronicles of Riddick
gênero:Ficção Científica
duração:1 hr 59 min
ano de lançamento: 2004
estúdio: Universal Pictures / Radar Pictures Inc. / One Race Productions / Primal Foe Productions LLC
distribuidora: Universal Pictures / UIP
direção: David Twohy
roteiro: David Twohy, baseado nos personagens criados por Jim Wheat e Ken Wheat
produção: Vin Diesel e Scott Kroopf

X-men: o confronto final (EUA)

título original:X-Men: The Last Stand
gênero:Aventura
duração:1 hr 43 min
ano de lançamento: 2006
estúdio: 20th Century Fox / Marvel Enterprises / Ingenious Film Partners / Donners' Company
distribuidora: 20th Century Fox Film Corporation
direção: Brett Ratner
roteiro: Zak Penn e Simon Kinberg
produção: Avi Arad, Lauren Schuler Donner e Ralph Winter


King Kong (EUA)

título original:King Kong
gênero:Aventura
duração:3 hr 7 min
ano de lançamento: 2005
estúdio: Universal Pictures / WingNut Films / Big Primate Pictures
distribuidora: Universal Pictures / UIP
direção: Peter Jackson
roteiro: Fran Walsh, Philippa Boyens e Peter Jackson, baseado em estória de Merian C. Cooper e Edgar Wallace
produção: Jan Blenkin, Carolynne Cunningham, Peter Jackson e Fran Walsh


Referências:

VAN DIJK, Teun. Discurso e Poder. São Paulo: Contexto, 2008.
DOTTIN-ORSINI, Mirelle. As mulheres que eles chamam de fatal. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.

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