sexta-feira, 20 de maio de 2011

ATAQUE AOS DRAGÕES, Steve Feuerstein, 2006

O filme Ataque dos Dragões pertence ao gênero aventura e narra a história, como o nome já diz, de um lugar que é atacado por dragões originários da lua. Ovos gigantes caem na terra em forma de meteoro de onde nascem os dragões que irão causar danos aos seres humanos. Ambientado na Europa do século XII, o filme atualiza a mitologia que povoa o imaginário da Idade Média que traz narrativas orais acerca de animais voadores semelhantes a uma cobra gigantesca com asas parecidas com as de um morcego e que cospe fogo. Este animal está em toda a narrativa medieval, inclusive a bíblica representando o poder do mal. No catolicismo, a imagem de São Jorge, representando o cavaleiro medieval, matando o dragão, tornou-se popular no ocidente, entre outras razões porque a sua base está nos contos orais medievais já sedimentados pela tradição. No filme, cinco animais conseguem sobreviver ao colidir com a Terra.

Além dos ataques dos dragões, os seres humanos também lutam contra as forças da natureza, a sua própria natureza humana. Um dos reis, descrito como explorador do seu povo, tem o seu castelo destruído pelos dragões, obrigando-o a pedir refúgio em outro reinado, conforme o tratado redigido entre os monarcas da região. No entanto, antes dos dragões destruírem o castelo, o rei já estava se organizando para usurpar o castelo que, a partir do ataque, servirá para abrigá-lo. Entre jogos de traição, mortes heróicas, sacrifícios, resistências e ritos de vassalagem, os personagens atuam com o intuito de proteger o reino dos males que vêem do céu e da terra. Uma vez destruídos, os dragões e os usurpadores, o reino reencontra o seu equilíbrio.

Durante a exibição do filme, lembrei-me de um filme do gênero animação Como Treinar o Seu Dragão, de Dean DeBlois e Chris Sanders, lançado em 2010. Ao contrário do filme anterior, este traz um personagem que não se encaixa no mito, isto é, ele não é motivado, como o seu pai e vizinhos, a matar, ainda que sejam dragões. Todo o filme tenta argumentar que é possível não reproduzir o que os valores familiares e sociais impõem e que uma história diferente pode ser começada a partir das decisões tomadas pelos sujeitos. Assim, o filme mostra um herói (ou anti-herói) deslocado das atividades da comunidade e uma delas é matar, matar dragões.

Curiosamente, a tradução em português do filme de animação mostra o cunho pedagógico, didático já no título: como treinar..., enfatizando os procedimentos necessários para se chegar a um objetivo, neste caso, domesticar o dragão.

A pergunta que se pode fazer é: se o dragão ataca o homem, a tendência do espectador é construir uma imagem negativa do dragão, porque ele tende a se identificar como os personagens humanos, fruto do jogo de identificação, do espelhamento, de base semiótica. Então, dentro da narrativa tradicional e do sistema responsivo ação-reação, o dragão que destrói o homem precisa ser destruído. Por associação, considerando a metaforização do filme, nos vem a questão: o que seria contra o homem ou mais especificamente o espectador ou espectadora que está assistindo ao filme? Pela lógica do filme (não da animação), o que causa o malefício deve ser destruído, o que se apresenta como obstáculo deve ser removido. O desenho animado propõe o contrário – aquilo que causa problema deve viver – mas sugere que ele deva ser transformado. Podemos vislumbrar aqui também como ideologicamente o filme representa dois momentos históricos diferentes, isto é, o que margeia a forma de pensar da Idade Média e da Idade Moderna: no primeiro os problemas são resolvidos à força e no segundo através do discurso, de estratégias, porém ambos com o intuito de dominar.

Mas como conseguir isso? Como transformar o que destrói em algo ou alguém que edifique? Eis que o filme apresenta alguns pontos a serem observados, senão seguidos. Segundo a narrativa, o sujeito deve primeiramente romper com a visão preconcebida, das ideias herdadas, e em seguida buscar fazer com que o outro também mude. Nesse ponto reside a questão principal que mostra a concepção didática desta mudança de comportamento. Segundo a animação, quebrar a expectativa do outro para que ele responda da maneira que o seu interlocutor espera, leva a uma desacomodação que pode ser um ponto de partida para a mudança que se quer. Mas para quebrar esta expectativa, faz-se necessário que o outro se sinta seduzido, cogite a possibilidade de fazer diferente. Este momento é obtido através da quebra de expectativa, da surpresa, e em seguida pela oferta de um componente que possa satisfazer o outro. Ao aceitar o gesto, estabelece-se a confiança, outro aspecto importante na relação, já que a ameaça de morte, de destruição, é um elemento desencadeador de uma defesa ofensiva, que responde com destruição a destruição. Porém, ao neutralizar com uma resposta diferente, o que o filme mostra, surpreende o espectador que terá, no mínimo, uma escolha. No filme, o protagonista consegue mudar a visão do outro, satisfazendo-o de alguma forma. No caso do dragão através de comida (satisfação física) ou através do gesto de ajuda (satisfação psicológica), o que faz com que o dragão permita que seu corpo seja dominado, neste caso montando. Simbolicamente, o ato de sobrepor-se a outro significa estabelecer hierarquia, conferindo superioridade a quem monta e de inferioridade ao que é montado. Por este ângulo, podemos por associação inferir que o sujeito que conflita não precisa ser erradicado, não precisa ser destruído fisicamente, mas, apenas convencê-lo de que o que lhe parece uma ameaça pode ser uma benfeitoria. É um manejo discursivo que implica na adesão do outro ao discurso que se quer fazê-lo acreditar. Seria outro tipo de regulação? Ensinar (ou treinar) implicaria em fazer com que os sujeitos respondam a certos esquemas, implicaria em ensinar, por meio de recursos que dêem alguma satisfação ao aprendiz, algum prazer, seduzi-lo, a responder de acordo com? Sem dúvida, até porque todo discurso visa o convencimento, a persuasão, cabe apenas aos analistas críticos do discurso expor o que a ideologia encobre, isto é, a gratuidade do gesto.

Neste aspecto, vale a pena destacar que, em se tratando de um filme para crianças, o cunho pedagógico é reforçado, já que nesta fase os adultos se preocupam com a formação do sujeito, e no caso do filme de animação, Como Treinar o Seu Dragão, o aspecto metapedagógico é um elemento importante, um conceito fundamental para a análise porque o filme ensina como se deve ensinar a criança a responder dentro de valores estabelecidos.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

CINEMA PARA ADOLESCENTES

Os filmes feitos para o público adolescente são quase que centrados nos seus espaços de socialização, em sua grande e absoluta maioria trata-se de uma experiência urbana, direcionando os espaços de socialização para a família e a escola. Tenho em mente algumas películas em que os protagonistas são adolescentes: Os Incompreendidos, de Trauffaut; Grease (no tempo das brilhantinas), Mudança de Hábito, Crepúsculo, High School Musical, 17 Outra vez, Sexta-feira 13, Alvin e os Esquilos 2, entre vários outros. Alguns são mais focados na família, quando se quer tensionar as relações interpessoais entre pais e filhos, já outros são mais centrados na escola, quando se quer mostrar os conflitos das relações para além das familiares e a escola aparece majoritariamente como o espaço do exercício da maturação afetiva, das construções conceituais sobre a vida e das vivências e rituais que fazem parte desta fase da vida, tendo em vista sempre que os filmes tentam representar uma experiência específica: a urbana.
Mas de que forma a escola aparece nestes filmes?
Em Os Incompreendidos, a escola é opressora, tolhe a criatividade e menospreza o aluno. Em tempos de bulliyng, diria que a escola em Truffaut é a protagonista do constrangimento por parte do abuso de poder dos professores e o final aberto do filme, com o olhar em close up do protagonista que corre para o mar e se vira para mirar a câmera, nos coloca diante de uma dúvida quanto ao destino da personagem, já que este “final” é transferido para o espectador, talvez como provocação, no sentido de também responsabilizá-lo pelo o que pode vir a ser.  Nos musicais, trazendo para uma referência temporal mais próxima, a escola aparece como espaço de múltipla experiência: o amor, a amizade, a inveja, as disputas, a traição, enfim, vários sentimentos podem ser vividos no espaço escolar através das relações com os seus membros. As comédias com fundo moral, como Mudança de Hábito, tentam resgatar alunos pobres da marginalidade social através da música. Aliás, não são poucos os filmes que tentam, através da arte (literatura, teatro, dança, música, etc.) mudar o comportamento dos alunos. Além de Mudança de Hábito, podemos citar Um Amor para Recordar (romance), Vem Dançar (drama), Sociedade dos Poetas Mortos (drama), O Sorriso de Monalisa (drama), entre outros.  Em quase todos, mostra-se os conflitos dos adolescentes com a família, com as questões sociais e identitárias, com as regras sociais estabelecidas que entram em choque com os interesses pessoais dos adolescentes, ou quando os adolescentes estão tão enquadrados nos esquemas sociais que o professor aparece para devolver-lhes a irreverência perdida pelas práticas cotidianas disciplinadoras. Os filmes tentam, de forma sutil, ajustar os adolescentes aos códigos sociais ou, quando não, mesclam interesses das partes, como no filme de Liz Friedlander, escrito por Dianne Houston, Vem Dançar, estrelado por Antonio Banderas, em que a técnica do professor mistura-se ao estilo dos alunos, dando origem a um produto artístico contextualizado a partir da vivência dos alunos.
Na condição de professores, é importante que saibamos analisar esses filmes, já que eles são consumidos pelo público para o qual se destina. Mas nos vem uma questão: os filmes de fato contribuem para uma mudança de comportamento no plano real? É possível, dentro da indústria hollywoodiana, com uma estrutura narrativa tão definida e fechada, uma atitude espectatorial aberta? De que forma os espectadores vêem as “suas” representações nos filmes?